Na exposição Viva Rebel, Raul Mourão ocupou um terreno vazio na orla do Leblon (RJ), contornado por prédios com empenas de quase 20 metros de altura, onde mais tarde seria construído um empreendimento residencial. As duas esculturas cinéticas inéditas, de grande escala, foram projetadas pelo artista durante a pandemia, em 2020. REBEL #1 e REBEL #2, cada uma pesando 1,5 tonelada, lidam com o equilíbrio, a possibilidade de movimento e o cuidado: um pequeno impulso dado pelo espectador já é suficiente para mover as estruturas e embaralhar as linhas de aço que as desenham. Já a instalação Perdido (2021) reúne uma série de bandeiras com setas vermelhas, hasteadas a 6 metros de altura na entrada do terreno, que sinalizam a ocupação de um território. Tanto as esculturas REBEL, quanto a instalação Perdido têm como ponto de partida comum o interesse do artista pelo espaço urbano e sua permanente dinâmica.
REBEL VIVA
por Fernanda Lopes
Ao longo de três décadas de produção, Raul Mourão vem construindo um corpo de trabalho que sempre se interessou pelos espaços entre: entre o público e o privado, entre a rua e o ateliê, entre o circuito da cidade e o circuito da arte. No projeto Viva Rebel, esse “entre” se reapresenta. Duas esculturas de grande escala, além de uma instalação, ocupam o espaço temporariamente vazio deixado depois da demolição de uma casa, na orla do bairro do Leblon. O limite do terreno é delimitado pelas empenas de mais de 20 metros de altura dos prédios que antes rodeavam a casa transformando o lugar em uma espécie de beco sem saída com vista para o mar, como definiu o artista.
As transformações no espaço urbano do Rio de Janeiro, refletindo e provocando mudanças sociais, políticas e econômicas, foram alvo de uma série de fotografias que o artista carioca realiza desde o final dos anos 1980. Nelas, aparecem pelo menos dois elementos que até hoje se fazem presentes na obra de Mourão. O primeiro são os tapumes brancos com setas vermelhas, usados pelo poder público para indicar desvios no espaço urbano em decorrência de obras. Na obra de Raul, as setas foram ao longo do tempo incorporadas como fotografia, pintura, e intervenções, em diálogo não só com a cidade, mas também com a própria história da arte – nesse caso a herança de um projeto construtivo brasileiro, associado ao sonho desenvolvimentista dos anos 1950. Em Viva Rebel as setas são bandeiras, que hasteadas a seis metros de altura logo na entrada do terreno demarcam a ocupação de um território e voltam a sinalizar, para quem passa de carro ou a pé, que algo pode estar acontecendo ali.
Dentro do terreno estão duas esculturas inéditas. Projetadas por Raul ao longo de 2020, já sob os impactos da pandemia, elas são desdobramentos da série Grades, que se remetem às grades usadas para proteção, segurança e isolamento em ruas do Rio de Janeiro presentes nas fotografias realizadas pelo artista há três décadas. As primeiras obras dessa série ocuparam inicialmente o espaço de museus e galerias, mas logo ganharam escala pública e também a possibilidade de movimento acionado pelo espectador – como vemos nesta exposição. Cada uma é formada por dois elementos em aço corten: um que serve como base e permanece estático, e outro, apoiado no primeiro, que se movimenta de maneira pendular. Apesar de cada um pesar cerca de 1,5 toneladas, a questão aqui não necessariamente é o peso ou a brutalidade, mas sim o equilíbrio, a possibilidade de movimento, e o cuidado. Basta um pequeno gesto do espectador para que toda essa massa se movimente, fazendo com que as linhas que formam a estrutura de aço se cruzem, criando um embaralhamento visual.
O movimento que dá vida à peça só é possível se o espectador aceitar fazer parte do projeto, se engajar. É esse engajamento, essa adesão, e a possibilidade de resistência, não só no/ao campo da arte, mas também para além dele, que parece ser o motor dessa produção. O título-manifesto dessa exposição, Viva Rebel, é nesse sentido uma exaltação e um alerta. Espaço fundamental para a cena musical carioca, a Audio Rebel completou 15 anos ano passado e, como todos, tem sofrido os efeitos da pandemia. Como parte do movimento para manter a casa funcionando, Raul está produzindo e dirigindo um documentário sobre a história do espaço. Esta exposição é uma homenagem e um espaço para solidariedade.
Raul Mourão é artista multimídia, produtor e diretor de arte. Estudou na Escola de Artes Visuais do Parque Lage e expõe seu trabalho desde 1991. Sua obra abrange de desenhos, gravuras, pinturas, esculturas, vídeos, fotografias, textos, instalações e performances.

Fernanda Lopes
Fernanda Lopes é crítica de arte e pesquisadora. Doutora pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e professora da Escola de Artes Visuais do Parque Lage (Rio de Janeiro). Foi curadora da Sala Especial do Grupo Rex na 29a Bienal de São Paulo (2010); curadora associada em artes visuais do Centro Cultural São Paulo (2010-2012); assistente de curadoria na Casa de Cultura Laura Alvim (2013-2015); e curadora assistente do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (2016-2020). Foi uma das organizadoras do livro Francisco Bittencourt: Arte-dinamite (Tamanduá-Arte, 2016) e é autora de Área experimental: Lugar, espaço e dimensão do experimental na arte brasileira dos anos 1970 (Editora Prestígio, 2013) e A experiência Rex: “Éramos o time do Rei” (Alameda Editorial, 2009).




