TRAÇÃO ANIMAL

Primeira individual de Raul Mourão no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio, TRAÇÃO ANIMAL, com curadoria de Luiz Camillo Osorio, tem o movimento como protagonista e ocupa três salas da instituição. 

Na primeira e maior delas, batizada de Proibido Trepar, estão oito esculturas cinéticas de grandes dimensões, construídas com tubos galvanizados e braçadeiras. No segundo ambiente, a instalação Sala/Sombra tem peças menores, iluminadas por pequenas lâmpadas, que projetam sombras nas paredes do espaço. Na terceira sala, é exibido em loop o vídeo Plano/Acaso (2009).

Tração Animal foi aberta simultaneamente às mostras AMOR, de Luiz Zerbini, e HUMÚSICA, de Cabelo, que ocuparam salas vizinhas do museu.

Tração Animal

por Luiz Camillo Osorio

Tração animal apresenta um conjunto de obras recentes de Raul Mourão. A escultura sempre foi o seu ofício, mas as imagens e a rua empurravam o fazer escultórico e sua preocupação com o volume e a gravidade para a fluência da vida. Espalhar clandestina e silenciosamente estruturas de ferro na cidade guardando e envolvendo o caule de algumas árvores, assim como enganchar artistas amigos nas paredes da galeria do Sergio Porto foram movimentos iniciais do artista respondendo a este apelo de contaminar circuitos e inverter expectativas em relação aos espaços de criação e de recepção da arte. Destes lances iniciais passando depois pela apropriação de placas de sinalização, símbolos e referências da vida cotidiana, três elementos articulam sua poética: geometria, eloquência e humor. Não necessariamente todos aparecem em cada obra, mas sempre explorando no mínimo duas destas qualidades. 

A geometria implica um compromisso com a simplicidade estrutural. A eloquência aponta para uma presença sempre muito direta e imediata da forma. O humor é o tempero que deixa atravessar um sopro de inteligência, quebrando a austeridade da geometria e impedindo a facilitação comunicativa.

As estruturas modulares utilizadas em andaimes são rígidas e utilitárias na sua função cotidiana. Nestes balanços de Mourão, todavia, elas se deixam conquistar pelo movimento, pela articulação lúdica e pela graça de só servirem ao olhar desarmado. Pô-las em movimento depende do gesto do visitante. Dado o impulso, elas balançam seguindo ritmos variados. Umas mais agitadas e nervosas outras mais insinuantes e sensuais; umas mais lentas outras mais breves. Todas, todavia, produzem em conjunto uma coreografia a ser admirada pelo visitante que as percorre, que vê a paisagem externa através dos seus vazios, que percebe o movimento das árvores ou dos carros atravessar o movimento das peças. Não é o caso de parar e ficar vendo. Creio que estas peças convidam o espectador ao movimento. As esculturas e o corpo do espectador entram em uma sinergia interessante. Um corpo balança o outro, um corpo depende do outro; como no futebol, quem se desloca tem preferência.

A presença plástica e visual do mundo entra em sua obra não como tema, mas como energia que se infiltra no processo criativo, desdobrando o olhar curioso em estruturas cinéticas, em planos rítmicos, em sombras dançantes. O movimento dos balanços se desloca para os planos verticais do elevador e deste para o desenho misterioso de luz e sombra. 

Se na sala das sombras, apesar da presença física das pequenas esculturas, há um encantamento meio mágico, que surpreende o espectador e o leva para um plano meio fantasioso, meio ilusório, no vídeo, apesar da virtualidade do meio, o que prevalece é a materialidade que se insinua entre os planos de luz, sombra e concreto. Um nos leva ao sonho, o outro nos leva à cidade. Este jogo entre sonho e cidade é algo que atravessa a poética do Raul desde sempre e que convida a um descondicionamento da percepção. As coisas podem ser percebidas sem uma determinação funcional, sem a prescrição definida por qualquer ordem de necessidade.

Esta é a liberdade de um olhar estético que se deixa seduzir pelo mero aparecer dos fenômenos, pela simultaneidade e pela singularidade dos dados sensíveis do acontecimento. A câmera aberta e atenta ao lento movimento do elevador está disponível ao acaso e a mera fruição do que se apresenta em cada passagem de luz. 

É uma exposição em looping, tudo vai e volta em balanço: do físico ao virtual, do corpo à luz, da luz à sombra. Neste movimento contínuo, uma espécie de mantra visual, o que se evidencia é a capacidade de encantamento estético de sua obra – a força de capturar e ativar a nossa percepção diante do aparecer das coisas. A surpresa em toda a sua contingência desarmada.

Luiz Camillo Osorio

Crítico de arte, curador, doutor em filosofia, professor do Departamento de Filosofia da PUC-Rio e pesquisador do CNPq. Entre 2009 e 2015 foi Curador-Chefe do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio), assim como colunista do Jornal O Globo (1997-2008) e membro do conselho de curadoria do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP) de 2007 a 2009.

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