SETADERUA

Iniciada no final da década de 80, a série SETADERUA reúne imagens de setas de sinalização de obras em vias públicas de diferentes cidades. Desdobramento da pesquisa de Raul Mourão sobre a paisagem urbana, em 2013, as fotos ganharam circulação nas redes sociais e se tornaram mote para registros feitos por outras pessoas. 

O trabalho colaborativo se materializou online na hashtag #setaderua gerando um arquivo de imagens em permanente crescimento. Fotos dessa série foram apresentadas pela primeira vez na coletiva DOC.DOT.MOV na Sarah Crown Pop-up Gallery, com curadoria de Sarah Corona, em Nova York, em outubro de 2013.

Setas

por Fred Coelho

Setas são formas universais. Setas de rua, na sua simplicidade geométrica e cromática, também tornaram-se espécie de ícones do mundo em obras. Onde as vemos, sabemos que alguma intervenção urbana está em processo. De certa forma, o trabalho de Raul Mourão com suas setas cria uma profunda simbiose com esse sentido mais amplo e universal do tema.

Ao se apropriar do ícone em obras, Raul sugere uma gama de desdobramentos possíveis ao nosso olhar. O primeiro, e principal, é o lugar orgânico que essa série de trabalhos ocupa em sua trajetória. Desde o início de sua carreira, as formas urbanas são articuladas por Raul em uma sintaxe muito própria. De certa

perspectiva, as setas se encaixam entre as grades e nos dão um retrato sintético de sua obra. Nelas, a imagem e o ícone oscilam em multiplas formas de transformar o banal em arte. Ao multiplicá-las, cria mosaicos que redesenham suas funções e sentidos fixos em nosso imaginário. Por se arriscar em expandir, distorcer e explorar a fundo o desenho aparentemente banal das setas de rua, Raul consegue renovar nosso olhar pela cidade.

Em uma série de fotos que ficou exibindo durante tempos por redes sociais, as #SETASDERUA se tornaram uma espécie de missão visual de amigos e admiradores de Raul. A cidade do Rio de Janeiro, de Nova York, de São Paulo e tantas outras em permanente transformação urbana, viraram cenários de fotógrafos digitais acumulando para o artista um banco de dados que só confirmava sua obra.

Mesmo na rua, em seu uso cotidiano, as setas ganharam potência visual através da intervenção decisiva de Raul. Seu simples gesto de deslocamento amplia um espaço quase viciado do nosso campo visual cotidiano.

Apresentar as setas em uma exposição, por fim, é apresentar um pedaço de nós mesmos. O objeto urbano é parte de nossas vidas, metáfora visual para quando queremos dizer que estamos em obras, fechados para o fluxo violento e caótico do mundo contemporâneo. Além de indicar infinitamente uma direção (um futuro?), as setas nos cercam em uma proteção mais poética do que aquela dada pela paranoia urbana das grades. Pois o transtorno que as setas de rua anunciam ao serem instaladas como tapumes nas ruas das cidades, é também o anúncio do trabalho, do progresso e da ruína. Com as setas, Raul continua exercendo seu olhar crítico sobre o seu e o nosso redor, arrancando perplexidade visual de onde só temos o que reclamar. Suas variações ao redor do mesmo tema saem da rua e entram na galeria, cruzando e, ao mesmo tempo, demarcando novos espaços reais e imaginários em seu trabalho e em nosso tempo.

Fred Coelho

Pesquisador, ensaísta e professor de literatura na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

Rolar para cima