Na exposição individual In My Opinion, realizada na Plutschow Gallery em junho de 2017, Raul Mourão levou a Zurique, na Suíça, um conjunto de obras inéditas de suas diferentes pesquisas artísticas — mostrou esculturas cinéticas, pinturas, trabalhos em papel, fotografia e vídeo.
Entre as obras, estavam as esculturas da série Garrafas, na qual Mourão introduz objetos do cotidiano nos seus “balanços”. Já as pinturas de In My Opinion são parte da série Janela/Window, que o artista desenvolve desde 2014 e já expôs em mostras em São Paulo, Rio de Janeiro e Nova York. Entre as obras em papel, mostrou delicados trabalhos que dialogam com formas arquitetônicas e que remetem a janelas e escadas.
Na última sala da exposição, havia a projeção do filme Bang Bang #1. Nele, as garrafas incorporadas às esculturas cinéticas são alvos de tiros que partem de seis armas de fogo.
In my opinion
por Maria do Carmo Pontes
“Almost everywhere – and often for purely technical problems – the operation of taking sides, of taking position for or against, has replaced the obligation to think. This leprosy of the mind began in political circles then spread throughout the country to almost all thinking.”
Simone Weil (1909-1943), On the Abolition of All Political Parties
A reflexão acima, feita por Weil em Londres em 1943 – já ao final de sua curta vida e em meio à Segunda Guerra Mundial –, infelizmente não perdeu seu frescor e atualidade com o passar do tempo. Pelo contrário, talvez mais do que nunca antes na história, o ato de pensar no mundo contemporâneo esteja subjugado ao de se propagar sem refletir, já que o fabuloso acesso a informação possibilitado por novas mídias carrega em si, necessariamente, também o acesso a desinformação. IN MY OPINION (NA MINHA OPINIÃO, em tradução livre), exposição de Raul Mourão em cartaz na Plutschow Gallery (Zurique, Suíça) durante o verão de 2017, propõe uma discussão sobre a profusão de certezas que assola o planeta.
A postura antiautoritária anunciada com humor e ironia já no título da mostra se evidencia também na escolha dos trabalhos, que incluem mídias como pintura, escultura, filme e desenho, apontando assim, também na forma, para um entendimento mais horizontal do mundo. Logo na entrada da galeria, o visitante encontra uma tela da série Fenestra (“Janela”, em latim), que o artista começou a desenvolver durante um período que morou em Nova York em meados dos anos 2010. A princípio, essas janelas surgiram no seu vocabulário através de desenhos; após executar dezenas deles, Mourão passou a pintá-las com tinta acrílica sobre tela, experimentando assim pela primeira vez a pintura como suporte. Invariavelmente em preto e branco, elas são inspiradas em janelas reais tanto na escala como na quantidade de quadrados. Tais quadrados formam grids – talvez a mais registrada das marcas de Mourão, presente desde os seus trabalhos iniciais em que fotografava grades de rua, abundantes no Rio de Janeiro a partir do final dos anos 1980 – e, por vezes, grids dentro de grids, ocasionando uma interminável ilusão de ótica. Espelhando essa Fenestra, na parede diametralmente oposta, encontra-se a obra Caveira (2017), da sua conhecida produção de balanços cinéticos.
A sala principal da exposição apresenta uma série inédita de esculturas que o artista vem desenvolvendo desde o início de 2017. Elas contêm as estruturas geométricas de aço, presentes também nas esculturas de grades e balanços cinéticos, mas aqui equilibradas sobre garrafas ou copos. A introdução desses elementos em vidro confere às obras um teor pop, ainda assim mantendo o humor que é próprio dos balanços: da mesma forma que eles, as garrafas podem e devem ser manipuladas pelos visitantes, numa quebra constante de suas simetrias. Porém, ao contrário de muitos dos balanços, com proporções monumentais, a série de garrafas apresenta não só uma escala doméstica como um material doméstico; por sua fragilidade, essas são necessariamente esculturas de espaços interiores.
A beleza desses trabalhos está intimamente relacionada ao seu caráter lúdico: trata-se de combinações harmônicas de equilíbrio, forma, cor e peso; uma obra anticonceitual por natureza. Além de outras Fenestras, as paredes desta sala são também populadas por duas obras em papel recortado a laser (Podium e Grid, ambas de 2017). A escolha da matéria bruta, somada à técnica precisa do corte, colocam estes papéis em um certo limbo, um meio termo entre o artesanal e o industrial. Com pequenas dobraduras que dão volume à superfície fina e achatada das folhas, os ângulos e linhas desses trabalhos remetem formalmente aos balanços de Mourão. Ainda nesta sala principal, encontra-se o trabalho que dá título à mostra, IN MY OPINION (2017), que consiste em onze folhas do tamanho A2 (59,4 x 42 cm), cada qual com uma das letras que compõem a frase-título. Essas impressões sobre papel, com letras brancas contra um fundo vermelhíssimo, são expostas em duas linhas.
A última sala da exposição contém o vídeo Bang Bang # 1 (2017). Nele vemos em slow motion seis esculturas de garrafas e balanços serem destruídas, uma por vez, com tiros; a mão algoz, porém, jamais é enquadrada no plano. Apesar de o visitante ter que atravessar todo o espaço expositivo para chegar até esta obra, seu som é audível desde a porta de entrada; a trilha sonora, composta pelo músico Ricardo Imperatore, salienta o estrondoso barulho dos tiros, aumentando a dramaticidade da narrativa. Curiosamente, a violência contra o objeto artístico epitomada em Bang Bang # 1 voltou a estar em pauta em meses recentes – fato lamentável, porém não exatamente imprevisto na ecologia autoritária de opiniões em que vivemos. Acima de tudo, esta obra nos convida a pensar.

Maria do Carmo Pontes
Escritora e curadora independente com mestrado em curadoria pelo Goldsmiths College (2011). Em 2014, fundou Question Centre, uma plataforma nômade de exposições curtas cujo recorte estabelece relações geracionais entre artistas. Contribui regularmente para a Conceptual Fine Arts.









vídeo, trilha estéreo
5’38”