O artista Gustavo Prado escreveu um ensaio inédito sobre Empty Head, a primeira individual de Raul Mourão na Galeria Nara Roesler, em Nova York. A mostra reuniu o vídeo Bang Bang (2017), a série de esculturas Bottles and Glasses, a bandeira The New Brazillian Flag #3 (2019), além de três esculturas recentes da série Rebel (2021). O conjunto de trabalhos recentes sintetiza e conecta dois aspectos importantes da produção do artista: sua abordagem formal e um discurso político engajado com a atualidade. Gustavo Prado parte dessas obras para refletir de maneira mais ampla sobre a produção de Raul Mourão, incluindo citações de obras, artistas e autores, como as icônicas Bicycle wheel (1913), de Marcel Duchamp, e O país inventado (1976), de Antonio Dias, além do romance O jogo da amarelinha, publicado em 1963 por Julio Cortázar.
Se me perguntares o que é a minha pátria
por Gustavo Prado
Compasso de espera
Da “cabeça vazia” de Marcel Duchamp veio o xeque-mate que de uma só vez inaugurou a arte cinética e a subsequente e paradigmática série de ready-mades. Com Bicycle Wheel (1913) — composta por uma roda de bicicleta fixada ao topo de um banco de cozinha —, ele demonstrou que em arte, tanto quanto no xadrez, não são só as mãos que colocam as peças em movimento, mas as ideias.
Na Cabeça Vazia de Raul Mourão, sua primeira exposição no novo espaço da Galeria Nara Roesler em Nova York, encontram-se reunidos quatro grupos de trabalhos dedicados a diferentes aspectos da experiência do movimento. As obras apresentadas pendulam entre a acessibilidade que é própria dos objetos cotidianos e o desafio de alterá-los em conjunto com o espectador para revelar de dentro da sua ordem aquilo que não antes adormecia.
Em um áudio na página dedicada à Bicycle Wheel no site do MoMA — onde sua segunda versão da roda está exposta —, Duchamp fala de sua alegria em completar a escultura e fazer a roda girar, movendo uma roda inútil, que levava a lugar nenhum, abriu tantos caminhos. No podcast A Piece of Work, também do museu, a humorista Abbi Jacobson fala da enorme vontade de tocá-la e da frustração por não poder e imitar o gesto celebratório do autor. No museu, não se pode tocar nas obras, e a roda da escultura já não gira mais. Ainda assim, poderíamos dizer, continua em movimento.
Insisto: mesmo que dificilmente se movam os Móbiles de Calder, e quase não se dobrem os Bichos de Clark, ou nunca deixem dançar os Parangolés de Oiticica, e, raramente, liguem os Objetos cinéticos de Palatnik; ainda assim, todas essas obras continuam em movimento. E, mesmo quem não tenha jamais presenciado o Teatro do Oprimido de Boal, ou desfrutado da comida de Tiravanija, cruzado em Kassel com os imigrantes de Fairytale de Weiwei, ou movido montanhas com Alÿs nas dunas do Peru… Mesmo quem não tenha experimentado uma ou outra forma de participação quando conhecemos, por texto ou registro, as ideias que fazem delas obras memoráveis: continuamos a colocá-las em movimento.
Em Cabeça Vazia, fica a relação de interdependência sobre a qual toda obra de arte se equilibra. No encontro não só com o corpo que esteja disposto a tocar as obras que se permitem tocar, mas com a atenção daqueles dispostos a compartilhar e ativar as ideias oferecidas por elas. Ideias capazes de pôr em movimento outros espaços possíveis, fora da inércia, em relações tão inesperadas quanto transformadoras. Aliás, sem esse tipo de encontro (distante dos olhos) com sua audiência, esses objetos se tornam vazios de sentido, solitários e aprisionados, em compasso de espera.

Gustavo Prado
Gustavo Prado é artista plástico, designer e pesquisador. Vive e trabalha entre o Brooklyn e a Filadélfia. Realizou sua formação artística na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro. A partir da escultura, da performance, da fotografia e do vídeo, Prado desenvolve mudanças de perspectiva para produzir obras que investigam as complexidades inerentes ao ato de olhar e averiguam noções que são ao mesmo tempo intrínsecas e estranhas ao campo da arte, como a vigilância, a apropriação, o voyeurismo e a religião. Sua obra já participou de exposições e eventos como o Festival Coachella (2017) e a 4ª Bronx Museum Biennial (2017), além de integrar acervos como o do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e Casa Firjan.

















