Projeto colaborativo criado por Raul Mourão em parceria com cinco artistas convidados (Lenora de Barros, Marcos Chaves, Barrão, Cabelo e Gustavo Speridião), Experienza Live Cinema teve início em março de 2017, como parte do programa Mana Residencies, em Nova Jersey, nos EUA. A premissa do projeto é estabelecer diálogos entre os artistas com o objetivo de criar experiências livres em que as produções individuais se mesclam e “se contaminam” gerando novos trabalhos e proposições. “É como um jogo sem regras entre dois artistas, um movimento para nos tirar de nossas zonas de conforto, uma troca intensa de imagens, textos, vídeos e arquivos de áudio, experiências que mesclam trabalhos como num remix de um DJ. Ao fim, os artistas apresentam os resultados dos diálogos num happening. Experienza Live Cinema busca uma nova forma de colaboração entre artistas e uma nova forma de interação com o espectador.”
Quem sabe faz ao vivo
por Fred Coelho
Fazer do trabalho da arte uma comunidade. De alguma forma, essa perspectiva sempre esteve presente no trabalho de Raul Mourão. Apesar de suas obras não serem necessariamente voltadas para tal ideia, sua circulação por diferentes campos de ação fez com que os encontros fossem uma de suas tônicas. Reunir pessoas, articular opiniões e realizar coletivamente marcou a trajetória de Mourão em espaços, revistas, festas e organizações como o Jacarandá (espaço e publicação). Juntar pessoas e fazer disso uma usina de força é uma de suas faces mais marcantes.
Experienza Live Cinema, de alguma forma, transfere esse aspecto coletivo do artista para o campo do trabalho visual. Ele não só abre seu processo criativo ao diálogo com outros criadores visuais como faz
do espaço de realização um amálgama de situações comunitárias. Som, imagem e presença física dos trabalhos são exibidos em meio a uma circulação livre do público. Planejamento e improviso dão o tom de sua dinâmica. No limiar entre exposição, performance e festa, sua proposta ainda se desdobrará em escalas maiores. Segundo o próprio idealizador, o processo de criação em progresso na troca com o artista convidado vem sendo decisivo em uma configuração de experimentação a partir do uso em conjunto dos respectivos trabalhos. As imagens e os sons ganham consistência quando surgem conexões inéditas de escolas visuais distintas – como, por exemplo, o caso de Mourão e Lenora de Barros.
Quando transposto para o espaço com o público, o processo iniciado nos encontros de preparação se amplia em função do caráter interativo que a situação coletiva cria. Utilizando múltiplas plataformas de projeção – paredes, telões, pinturas –, as imagens são editadas na hora pela dupla de cada edição. O som também se torna uma frente de invenção e improviso, deixando em aberto o que cada momento apresenta.
De alguma forma, Mourão está propondo, como diz o nome do trabalho, uma experiência. Uma imersão dos sentidos pela imagem e pelo som, além da liberdade na forma em que o trabalho é apresentado ao público. Como uma festa feita simultaneamente, todas as situações ao redor de encontros como esse passam a interferir na dinâmica do espaço. A ideia é instalar uma situação ambiental, para usar um termo de Hélio Oiticica proposto nos anos 1960. Era o período em que o artista investigava novas formas de lidar com a ideia do participador e a necessidade radical de deslocar a arte do espaço fechado das instituições e galerias. Produzir novos espaços para a fruição de trabalhos que investem na sensorialidade, na ideia de lazer como experimentalidade livre e no corpo cinético conduz Oiticica a ideias como as de suprasensorial e crelazer. Palavras-conceitos que definiam a busca por novas formas de fruição estética em condições comunitárias experimentais. Na década seguinte, tal perspectiva desemboca no “mundo abrigo” e em trabalhos como as Cosmococas, que fazem do coletivo e do espaço comunitário princípios fundamentais de seu trabalho e pensamento.
O intuito em apontarmos influências e conexões entre a Experienza Live Cinema e a perspectiva coletiva na obra de Oiticica é ressaltar a expansão da fruição para espaços em que a relação do público com a arte não se dá necessariamente através de objetos e obras exibidas, mas sim de um ato singular que só acontece no momento. É cinema vivo, que se cria na hora, a partir das dinâmicas abertas de uma noite em transe contínuo.

Fred Coelho
Pesquisador, ensaísta e professor de literatura na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).














